O que há do meu pai em mim
6 de agosto de 2018
Quando nos tornamos pais, queremos fazer com os filhos tudo aquilo que consideramos que nossos velhos não puderam realizar conosco. Nos sentimos determinados a escolher um caminho diferente. Almejamos brincar mais, olhar mais nos olhos, ofertar atenção, “suprir” todas as necessidades que avaliamos como indispensáveis para que se sintam completamente felizes, amados, nos aceitem como somos… Mas nem sempre é assim. Quanto há de nossos pais em nós?
No meu caso, muito. Meu pai sempre foi um homem trabalhador. Quando nasci, ele tinha uma produção caseira de balaios no fundo do quintal. Me lembro das valetas que recebiam os bambus, as tecedeiras amontoadas próximo da cruzeta para início dos trabalhos. Tudo isso sob barracas feitas da própria matéria-prima para proteger do sol e muito pouco da chuva… Nelas, os balanços e alguns brinquedos me mantinham por ali…
Ele já fez quase tudo nessa vida, de sol a sol, migrando como motorista, se aventurando no trabalho rural, no comércio… O trabalho simples nos ofertava o pão diário. Tudo para atender as nossas necessidades, alimentar a família de três filhos. Não viajou o mundo, conheceu a praia depois dos 50 anos e ainda que nunca tenha concluído seus estudos, frequentado os melhores colégios e bancos acadêmicos, nos conduzia dentro de seus princípios éticos, morais e culturais.
Mesmo que, por qualquer razão, eu tenha discordado algum dia de suas escolhas por ser rigoroso e autoritário, me fez o homem que sou. Me atribuiu responsabilidades, foi presença ativa na minha educação, sempre participativo na rotina familiar e, ao lado de minha mãe, que também trabalhava fora, favoreceu meu desenvolvimento como ser humano, assim como de minhas duas irmãs.
Ao mesmo tempo em que o respeitava, também tinha medo. Um olhar bastava, mas não me resta dúvidas que em toda cobrança ele ofertava o melhor de si e exigia o melhor de mim… Foi assim que aprendeu com o arquétipo de pai e, agora, eu aprendo, também amparado pela evolução ocorrida ao longo destes 34 anos. Os tempos eram outros, não é? Havia um modelo social de pai resistente, rígido, provedor, que pouco expressava suas emoções… Apenas queria reajuste de condutas.
A vida anda para frente. Os pais são nossa referência de vida, de família, de vida social, impactam diretamente no nosso desenvolvimento afetivo, social, cognitivo… Mesmo que não sigamos integralmente o que fizeram, ainda há tanto deles em nós.
Com a chegada das mamães no mercado de trabalho, nós pais, recebemos grande estímulo para evoluirmos no cuidado com nossos filhos. Foi difícil a adaptação, considerando que carregamos no comportamento uma “ogrice” instintiva, natural do sexo masculino, mas foi preciso aprender a se virar! Com o tempo, a falta de jeito se reverteu em habilidades, foi só começar. Hoje, devemos ter cuidado para não nos tornar mais permissivos, superprotetores, negligentes no processo de educação, mas participativos. O modelo é positivo, com o amor e limites caminhando lado a lado.
Dividimos os papéis e nos transformamos, de dentro para fora, participando integralmente da rotina. Pai é pai e mãe é mãe, mas, agora, também estamos mais presentes na pia, no tanque, no fogão, na porta da escola, nas reuniões de pais e mestres, na hora do sono, nas mamadas pela madrugada, nas brincadeiras, no carinho, no afeto, sem deixar de oferecer a segurança da figura paterna. Seremos menos cobrados emocionalmente? Só o tempo dirá.
Hoje, na paternidade, eu tenho a chance de ser para meus filhos muito do que meu pai foi pra mim. No aprendizado diário quero apenas seguir o caminho, sem olhar para trás, me cobrar menos e também ter nos olhos dos meus filhos o mesmo olhar que tenho para meu pai, que a cada dia se torna um homem melhor!